quinta-feira, 15 de abril de 2010

DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS - 01

Inviolabilidade do Direito à Vida

O caput do art. 5º da CF diz que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Você sabe o que significa essa inviolabilidade e o que é o direito a vida nos termos constitucionalmente protegidos?

Inicialmente é importante lembrar que o que está protegido na Constituição Federal é a vida humana.
E quando se fala em “Direito a Vida” é importante sabermos que esse direito não é um direito simplesmente a sobreviver e sim um direito a uma existência digna, ou seja, a existência de uma vida humana com dignidade.

Quando falamos sobre da “inviolabilidade do direito a vida”, conjuntamente com o art. 5º vêm os art. 1º, inciso III e art. 170, ambos da CF, onde diz que a dignidade humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e que a ordem econômica financeira é destinada a assegurar uma existência digna a todos os indivíduos.

Lembrando que a “DIGNIDADE” não é um direito, pois a mesma não é um ordenamento jurídico, ou seja, não é a CF que nos dá a “dignidade”.

Todos os seres humanos, independente de qualquer condição, possui dignidade. Quando a CF consagra a “dignidade da pessoa humana” como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, o que ela está querendo dizer é que, cabe ao ordenamento jurídico proteger essa “dignidade” e promover os meios necessários a uma “existência digna”, ou melhor, o que a CF faz não é “dar dignidade” a ninguém, mas sim determinar que ela seja protegida e promovida.

Os Direitos que vão proteger e promover a “dignidade da pessoa humana” é exatamente os Direitos Fundamentais. A grande maioria desses direitos se expressa através de PRINCÍPIOS e não através de REGRAS JURÍDICAS.

Toda vez que se estuda um “direito fundamental”, temos que analisar, não apenas o direito isoladamente de como se dá a sua aplicação, e sim analisar 02 aspectos importantíssimos que são: o CASO CONCRETO - o qual aquele direito será aplicado - e os OUTROS DIREITOS ENVOLVIDOS naquela aplicação.

Sempre que se fala em Direitos Fundamentais a idéia não é trazer respostas prontas e sim trazer alguns critérios para que se faça uma reflexão.

Existem dois aspectos relacionados a dignidade da pessoa humana:

O 1º chamado de ASPECTO NEGATIVO - por exigir uma abstenção, tanto por parte dos poderes públicos quanto por parte dos particulares.

Segundo o filósofo e escritor Kant, a dignidade é o que diferencia o ser humano dos demais seres da natureza. Seria um atributo que o ser humano tem. A dignidade impede que o ser humano seja tratado como um objeto, como meio, como um instrumento para se atingir um determinado fim.

Esse conceito com o passar do tempo foi sendo trabalhado e foi acrescentado a essa fórmula do objeto outro critério para análise de uma eventual violação da “dignidade da pessoa humana” que seria a chamada ESPRESSÃO DE DESPREZO.

A “dignidade da pessoa” é violada quando a mesma é tratada como um instrumento, como um objeto, como meio, e quando a este tratamento se soma a “expressão de desprezo” pelo ser humano, ou seja, nem sempre quando um ser humano é tratado como um instrumento significa que necessariamente a dignidade desse ser humano esteja sendo violada. A questão é que se este tratamento for fruto de uma expressão de desprezo ai sim não haverá duvidas que a dignidade sofreu algum tipo de violação.

O 2º é chamado de ASPECTO POSITIVO - é o mais aplicado no Brasil pois está intimamente relacionado ao mínimo existencial. Para que uma pessoa tenha uma vida com “dignidade” o Estado tem que proporcionar, em alguns casos, os meios mínimos indispensáveis a uma “existência digna”.

A inviolabilidade é a mesma coisa que irrenunciabilidade? E o “direito a vida” é um direito absoluto ou em determinados casos o “direito a vida” poderia ser afastado para que outro direito prevalecesse?

A inviolabilidade protege o “direito a vida” contra terceiros, ou seja, é uma proteção assegurada pela CF ao direito a vida contra a sua violação por parte de terceiro.

A irrenunciabilidade, não está prevista expressamente no texto constitucional, mas ela é uma característica que todos os direitos fundamentais possuem. Os direitos fundamentais são considerados direitos irrenunciáveis. As pessoas podem até não exercê-los temporariamente, mas, segundo a doutrina, não se poderia abrir mão definitivamente desses direitos.

Há questões polêmicas acerca do tema como p. ex. a EUTANÁSIA.
No Brasil, a jurisprudência, em geral, tem tratado a eutanásia como crime de homicídio privilegiado (em razão das circunstâncias morais e circunstanciais) por ser o "direito a vida" irrenunciável.

Será que as pessoas, em determinadas situações, não teriam direito de fazer prevalecer a sua autonomia da vontade, a sua liberdade de escolha? Por que o direito a vida estaria acima dos demais direitos?

Outro exemplo de que o “direito a vida” é irrenunciável é o AUXÍLIO AO SUICÍDIO (art. 122,CP) que também é tratado como crime pelo código penal.

Outra questão delicada e muito importante envolvendo essa irrenunciabilidade do “direito a vida” é com relação a religião das testemunhas de Jeová.

As decisões dadas pelos tribunais brasileiros, em regra, não se admite que a pessoa alegue a sua liberdade religiosa, ou melhor, que ela se utilize de sua autonomia de vontade para que não receba a transfusão de sangue.

Se a pessoa é incapaz, deve prevalecer a decisão da inviolabilidade do direito a vida, ou seja, não poderia alguém decidir por aquela pessoa, dizer que aquela pessoa, que é incapaz, não iria receber a transfusão de sangue. Neste caso há decisões a respeito e doutrina que defendem esse posicionamento.

Se a pessoa for capaz e está inconsciente no momento da transfusão, mesmo que ela tenha deixado um documento escrito dizendo que não gostaria de receber a transfusão, se não existir um tratamento alternativo, tem se que a transfusão deveria ser feita.

Então, no caso de pessoas incapazes, de pessoas que estão inconscientes no momento da transfusão, é um entendimento de certa forma pacifico de que, essas pessoas devem receber a transfusão e que o médico não poderia ser responsabilizado.

E se a pessoa for absolutamente capaz e estiver consciente no momento da transfusão? Não existindo tratamento alternativo, poderia ela se recusar a receber uma transfusão de sangue, já que o direito a vida é um direito irrenunciável?

Temos ai uma colisão entre os direitos fundamentais. De um lado a inviolabilidade do direito a vida, principalmente a sua irrenunciabilidade e do outro a autonomia de vontade e a liberdade religiosa.

Nesta colisão entre direitos fundamentais quais delas devem prevalecer?
Os tribunais tem entendido, de maneira geral, que o direito a vida é um direito pré existente e que se sobrepõe aos demais.

REFLEXÃO: Por que o direito a vida, necessariamente, deve ser considerado superior aos demais direitos? Aonde está estabelecida uma hierarquia entre o direito a vida e os demais direitos estabelecidos na constituição?

O Direito a vida é o direito a uma vida humana com dignidade e o núcleo da dignidade da pessoa humana é a autonomia da vontade. Dessa forma, o direito do paciente deveria ser respeitado em determinadas situações.

O médico que faz a transfusão, não existindo uma terapia alternativa, mesmo contra a vontade do paciente, esse médico poderia ser responsabilizado?

O médico está agindo para salvar a vida daquela pessoa, ou seja, ele está se pautando por normas legais, tanto pelo Conselho de Ética Médica quanto pelo Código Penal. Portanto, responsabilidade do médico não poderia haver. No entanto, se o médico atende ao pedido do paciente, neste caso, também, não teria porque responsabilizá-lo.

Seria o Direito a vida um direito absoluto? Será que em determinadas hipótese o direito a vida poderia ser violado para que outros direitos constitucionalmente segurados sejam preservados?

Para esta resposta é importante nos asseguramos do seguinte: a inviolabilidade do direito a vida não se expressa através de uma regra, não é um mandamento de definição, também não é algo que deva ser cumprida de maneira exata.

A inviolabilidade do direito a vida é um Princípio. Não existem princípios considerados absolutos. Todos os princípios, por mais importante que eles sejam, são considerados princípios relativos no sentido de que os princípios se aplicam através da moderação. Sempre que tiver um principio regulamentando um determinado assunto, essa regulamentação é apenas uma diretriz que aquele principio aponta.

Costuma se dizer que os princípios não tem caráter definitivos como as regras, eles apenas apontam a direção na qual a decisão deve ser dada.

Os princípios não podem ser considerados absolutos porque se for considerado um determinado principio como sendo absoluto, quando este principio entrar em colisão com outro principio, também considerado absoluto e consagrado pela constituição, não terá como resolver essa colisão entre os mesmos.

Ex: Podemos ter o direito a vida titulado por uma pessoa e o direito a vida titularizado por outra pessoa, ou melhor, o CP prevê, como uma excludente de antijuricidade, a legitima defesa, o estado de necessidade, os quais são hipóteses em que temos o direito de dois titulares em uma rota de colisão. Então não tem como, às vezes, preservar os dois direitos, dessa maneira, admite que nesse caso, um deles seja afastado.

Outra hipótese é do aborto necessário (art. 128, inciso I, do CP) que é quando a má formação genética do feto coloca em risco a vida da gestante. Temos ai uma colisão. De um lado a inviolabilidade do direito a vida do feto e de outro lado a inviolabilidade da vida da gestante.

Diante dessa colisão (direito a vida do feto X direito a vida da gestante) o direito a vida da gestante não pode ser sacrificado para que o feto venha a sobreviver. É claro que se a gestante fizer essa opção, o direito dela poderá ser assegurado. Mas não se pode obrigar alguém a violar a sua própria vida para salvar a de outrem.

Na própria CF existe uma ponderação, feita pelo próprio legislador constituinte, da possibilidade de PENA DE MORTE.

Na CF, em seu art. 5º, inciso XLVII, consagra a pena de morte apenas em caso de guerra declarada. É a única hipótese na CF que prevê a possibilidade de uma pena de morte.

Essa hipótese demonstra muito bem que o direito a vida não é um direito absoluto, porque temos ai uma ponderação feita pelo legislador. Ele considerou que alguns valores são mais importantes do que a vida de um individuo em determinada situações.
Outra ponderação a esse tema é o que se refere ao aborto. Recentemente, a câmara dos deputados rejeitou uma proposta que previa a descriminalização do aborto em determinadas situações por considerar essa proposta inconstitucional, já que a CF assegura a inviolabilidade do direito a vida.

Julgamento desse assunto STF ADI nº 3.510 .

A questão é - sendo o Direito a vida um direito inviolável, poderia o aborto ser descriminalizado no Brasil? Será que o direito a inviolabilidade a vida realmente exige que o aborto seja considerado crime em toda e qualquer situação ou será que poderia existir outras medidas protetivas da vida do feto que não criminalizar essa hipótese?

Como o direito brasileiro não estabelece o inicio da vida e temos uma lei que diz que a morte de um individuo se dá com a morte encefálica, não havendo a formação do cérebro, não haveria vida humana a ser protegida no sentido jurídico, ou seja, a proteção seria a partir da formação do sistema nervoso central.

Sobre esse tema, tem se discutido no STF (ADPF nº 54 ). Nessa ADPF estão argüindo os preceitos fundamentais, o qual a proposta é que, no caso da acrania, seja dado a gestante a opção de fazer ou não um aborto.

Observação: No caso do art. 2º do CC, onde diz que a personalidade jurídica começa com o nascimento com vida e não com o surgimento da vida, há que se entender que, os direitos que trata o Código Civil a respeito disso, é somente o direito da personalidade, o Código Civil não estabelece a partir de que momento a vida humana tem o seu inicio e quando ela deve ser protegida.

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